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http://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/isto-nao-e-arte-01.html
ÓCIO não é ARTE
O ócio absoluto arrasta a pessoa humana de retorno à pura Natureza. Esta Natureza não é arte por si mesma, com nos provou o poeta Fernando Pessoa.
“Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza”
Fernando Pessoa – Alberto Caiero – Li Hoje.
De outro lado o puro fazer absoluto não deixa o menor espaço para o diferente, para a criação e que intrínseca à Arte. ÓCIO CRIATIVO é um dos numerosos oximoros ou paradoxos. De um lado nega o fazer e, do outro lado, impulsiona o fazer apenas pelo fazer mecânico.
Fig. 01 – Luis Buñuel – Simão o Estilita 1965 - O eremita no deserto e em cima de uma coluna é a própria imagem do não fazer e o ócio egoísta absoluto. Arrebatado por um avião é levando para uma boite de Nova York para o “fazer” absoluto
É evidente que a Arte necessita de uma longa e uma demorada encubação e que uma eventual inspiração instantânea, ou insight, escapa com a mesma velocidade com que ela se descobre parcialmente. Esta inspiração se move no mesmo paradoxo da velocidade do caminho do raio. Sabemos, pela inteligência, que o caminho mais curto entre dois pontos é a reta, contudo um raio nunca segue a linha reta. Assim uma obra necessita de uma incubação longa, mas que de forma alguma pode ser confundida com o ócio desatento e sem ação.
Há necessidade de distinguir o agir do fazer. No agir há, muitas vezes, a negação do fazer movido apenas pelo fazer mecânico. Georges Bernanos (1888-1948) escreveu que “o perigo não está na multiplicação das máquinas e sim no número cada vez maior de pessoas habituadas, desde a infância, a só desejar o que as máquinas podem dar”. Esta alienação de si mesma, lança a criatura humana na heteronomia da sua vontade e que a leva à escravidão, condição na qual deixam de deliberar e nem decidir.
Fig. 02 – Umberto BOCCIONI 1882-1916 “Estudos mentais ii gli addii” –
ou exagero do fazer.
O ócio pode ser um momento de aspiração psicológica de quem está oprimido pelo demasiado fazer. O ócio busca compensar a eterna oscilação entre extremos. Contudo, arte não é nenhum destes extremos.
O ócio pelo ócio é apenas meia verdade. Se não existir a vigilância oculta no agir da aparente não fazer, temos o retorno puro e simples para a Natureza bruta e indiferente ao ser humano. Esta vigilância e agir constituem uma ascese para evitar o fazer apenas pelo fazer mecânico. Todos os artistas mais criativos conhecem esta ascese, esta vigilância atenta e este agir que precede a criação de sua obras.
Na medida em que a criatura avança no terreno do ócio mais, sente os seus terríveis efeitos. O sentimento de inutilidade e impotência individual, provocado pelo ócio forçado, é característico das civilizações afluentes que não tinham previsto no seu projeto inicial o fenômeno da administração do ócio.
Fig. 03 Jean Léon GÉRÔME 1824-1904– “Pollice Verso” 1872 - óleo 97,4 cm X 146 cm.
Foi o caso da Roma Imperial quando ela tornou-se dona do mundo conhecido na época. Foi necessário improvisar o projeto “pão e circo” de tão nefastas conseqüências. Uma das conseqüências foi descobrir que a política do rebanho abre os portões para o matadouro.
O ócio não se entrega PROCESSO : quer logo o RESULTADO do trabalho e apenas o RESULTADO, não importando as outras dimensões de um agir humano sadio.
Fig. 04 – A ILHA DESABITADA de GUNKANJIMA – Japão.
Resultado do fazer pelo fazer e trabalho industrial: a obsolescência e uma ruína industrial em um único habitante.
http://en.wikipedia.org/wiki/Hashima_Island
Na política o ócio pode resultar do medo do subalterno de se revoltar devida à magnitude do esforço necessário para a ruptura de sua heteronomia ou de contrariar a vontade da autoridade constituída para não mostrar a sua ignorância e a sua pusilanimidade diante do seu poder originário.
Fig. 05 – Albrecht DÜRER 1471-1528 - Melancolia – 1514 – água forte 241mm X 192mm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Albrecht_D%C3%BCrer
O ócio pode descambar para melancolia, desta para o tédio e a depressão e, finalmente, para a o sono. O pior sono é o sono da razão, quando o corpo está desperto, mas as faculdades mentais estão inoperantes. O sono da razão produz monstros e pesadelos.
Fig. 06 – Francisco GOYA y LUCIENTES 1746-1828 - “O sono da razão produz monstros” 1797, gravura 214mm x 149 mm placa nº 47 dos Caprichos
O ócio é confundido com conforto humano. E toda civilização possui alto grau de desconforto, tanto na sua constituição como na sua manutenção conforme prova Sigmund Freud. Historicamente as grandes civilizações começaram em lugares inóspitos e desconfortáveis. Estas condições exigiram grandes e continuados trabalhos e uma rígida organização social. Assim a civilização egípcia, as altas culturas pré-colombianas surgiram em estreitos vales e com parcos recursos naturais.
No Brasil temos o fenômeno inverso e visível nos sambaquis. Os estratos inferiores são muito mais ricos do que as camadas recentes. O indígena que vinha das altas culturas e civilizações dos Andes regrediu com o passar do tempo numa terra onde tudo estava ao alcance da mão e nem mais necessitava de roupa.
Quando 3% da humanidade tecnicamente pode produzir tudo o que a humanidade necessita, impõe-se aos 97% da população mundial, não aproveitados neste processo produtivo, pensar no que pode fazer nesta inatividade.
Fig. 07 - Adolph Friederich Erdmann Von Menzel (1815-1905) Altos Fornos c. 1875 pintura após 150 esboços
Esta perspectiva trágica - da falta generalizada do que fazer - impõe a transformação deste tabu em totem.
Fig. 08 - Recepção à bordo. “O ócio da Belle Epoque”
Diante desta perspectiva há necessidade de distinguir, inicialmente, o fazer do agir. O fazer é aquele dos 3% que produzem e trabalham. O agir envolve deliberar e o decidir o que fazer, como produzir e a maneira de distribuir o que foi produzido.
Para apreender e aperfeiçoar o processo do agir, do deliberar e do decidir, há necessidade de retomar ao mundo clássico grego onde a escola era vista como lugar do ócio e do lazer, origem do termo skhole . O aprendiz e seu orientador – “o amigo do saber”, ou filósofo - retiravam-se do mundo de trabalho para apreender e aperfeiçoar o processo do agir, do deliberar e do decidir.
“A palavra 'escola' do português, tem sua origem mais próxima no latim clássico schola, que por sua vez originou-se do grego skhole, que significava 'lazer'. Se para os gregos que viveram um século antes de Cristo, busca de conhecimento era lazer, parece uma ironia do destino que muitas escolas hoje representam um verdadeiro tormento a seus jovens freqüentadores”. http://www.sk.com.br/sk-hist.html
Aqueles que se dedicavam a negar o ócio realizavam o negócio providenciando a circulação e distribuição dos produtos daqueles que se dedicavam ao fazer da produção agrícola, pastoril e do artesanato. As economias e as sociedades afluentes transformam o ócio em negócio.
Pairando acima de todo este mundo do agir e do fazer estava o ócio sagrado e que garantiam a permanência e reprodução do saber sagrado. Os seus praticantes são aqueles que entendem da teologia e da teleologia que move a SOCIEDADE de CONSUMO.
Fig. 09 – Luis Buñuel – Simão o Estilita 1965 - O eremita é o levando do topo de sua coluna para um a boite e para o fazer absoluto
http://www.youtube.com/watch?v=EIEmSl42vs8 + http://pt.todoroms.com/simon-del-desierto-luis-bunuel-1965-dvdrip-espanol-mu
+ http://www.youtube.com/watch?v=r5fil1yGKnk&feature=related
A DENÚNCIA por meio da ARTE da teleologia que move a SOCIEDADE de CONSUMO em nome do ÓCIO é uma constante. O ÓCIO como oficina do diabo ganhou numerosos tratamentos e obras. O cinema, apesar de uma arte típica da INDÚSTRIA CULTURAL foi usado intensamente para esta denúncia dos males do ÓCIO. Assim o filme “Simão Estilita” (1965) de Luis Buñuel (1900-1983) realiza o contrate entre o mais austero ascetismo do deserto com o mais desbragado consumismo praticado na “Grande Maçã”. Federico Fellini(1920-1993) dirigiu, em 1960, “Dolce Vita”. A mais trágica e patética denúncia veio, em 1975, de Pier Paolo Pasolini (1922-1976) no seu filme “Salò o le 120 giornate di Sodoma”.
Contudo a SOCIEDADE de CONSUMO pode ser vista como a maneira de distribuir o que foi produzido. É a forma para “transformar o ÓCIO de tabu em totem” na concepção de Freud. Esta maneira é movida pela PROPAGANDA e pelo MARKETING que constituem a face visível da circulação do poder industrial, comercial e econômico. No fundo responde às necessidades geradas pelo o ÓCIO e pelo prolongamento da idade humana. A indústria do turismo e da propaganda, não perdeu tempo, e transformou esta idade da decadência humana na “mais bela idade”. No cinema Hollywood e Cinecittá dedicaram-se a vasculhar, reler e re-interpretar os temas da decadência dos períodos da História como do helenismo, da Roma Imperial e da Belle Epoque.
Chega-se a conclusão de pode-se admitir o ócio como arte se ele for o reverso da medalha do fazer e do agir.
Fig. 10 –FRIEDERICH Caspar David - 1774-1840 “Viajante acima das nuvens” 1818
FONTES
Adolph Friederich Erdamann Von Menzel http://atthefair.homestead.com/Misc/ArtWxhibitedattheFair.html
CINICITTÁ http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinecitt%C3%A0
DOLCE VITA FELLINI http://www.sibila.com.br/index.php/estado-critico/256-federico-fellini-la-dolce-vita
Domenico DE MASI
De Masi D. (1999), Il futuro del lavoro. Fatica e ozio nella società postindustriale, Rizzoli, Milano.
De Masi D. (2000), Ozio creativo. Conversazione con Maria Serena Palieri, Rizzoli, Milano.
De Masi D. (2003), La fantasia e la concretezza. Creatività individuale e di gruppo, Rizzoli, Milano
FREUD, Sigmund.(1858-1939).O mal estar na civilização (1930). Rio de Janeiro : Imago, 1974. pp. 66-150. (Edição standard brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v.13)
------- Totem e tabu (1913). 2.ed. Rio de Janeiro : Imago 1995, pp. 13-193 (Edição standard brasileira de obras psicológicas completas de Sigmund Freud ,volume 13)
GUNKANJIMA a LHA desabitada http://en.wikipedia.org/wiki/Hashima_Island
NATUREZA não é ARTE
http://profciriosimon.blogspot.com/2010/11/isto-nao-e-arte-02.html
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/fernando-pessoa/li-hoje.php
WORRINGER, Wilhelm (1881 - 1965). Abstraccion y naturaleza. 1.ed. 1908. México : Fondo de Cultura Econômica, 1953. 137p. Leia o texto original em: http://www.archive.org/stream/abstraktionundei00worruoft#page/n3/mode/2up
Abstraktion und Einfülung http://www.dictionaryofarthistorians.org/worringerw.htm
EXPRESSÂO como explosão de um longo ócio físico mas em que a mente este produzindo fantasmas.
EINFÜLUN quando a mente não guarda nada e joga os sentidos e humano no fazer sem pensara – Carnaval, Barroco
ÓCIO e a CULTURA LATINA
1226. Otia omnia vitia pariunt. [Stevenson 1214] O ócio gera todos os vícios. ■A ociosidade é a ferrugem da alma. ■A ociosidade é a mãe de todos os vícios. VIDE: ●Omnium malorum origo otium. ●Otia dant vitia. ●Otium omnia vitia parit.
1227. Otia qui sequitur, veniet huic semper egestas. [Columbano / Binder, Thesaurus 2456] A quem segue o ócio, a pobreza sempre lhe vem. ■Sem trabalho, só a pobreza. VIDE: ●Absque labore gravi non possunt magna parari. ●Mendicitas ignaviae praemium. ●Non enim vir piger implet domum. ●Otiosi semper egentes. ●Sine labore non erit panis in ore.
1228. Otia si tollas, periere Cupidinis arcus. [Ovídio, Remedium Amoris 139] Se acabares com o lazer, ficará destruído o arco de Cupido.
1229. Otiare quo melius labores. [Epígrafe de Fábula de Fedro 3.14 / Rezende 4732] Descansa, para melhor trabalhares. ●Otiare quo labores. Descansa para trabalhares.
1230. Otii securitatem illustris vitae periculis esse potiorem. [Schottus, Adagia 517] É preferível a tranqüilidade do ócio aos perigos da vida ilustre.
1231. Otio qui nescit uti, plus negotium habet quam qui negotiosus in negotio. [DAPR 399] Quem não sabe aproveitar o ócio, tem mais ocupação do que o ocupado na atividade. ■O homem lento jamais tem tempo. ●Otio qui nescit uti, plus negotii habet quam, cum est negotium, in negotio. [Ênio / Aulo Gélio, Noctes Atticae 19.10.12]
1232. Otiosa sedulitas. [Riley 317] Zelo inútil.
1233. Otiosi semper egentes. [G.Whitney, Choice of Emblems 426] Os preguiçosos estão sempre necessitados. ■Preguiça é a chave da pobreza. ■Preguiça traz precisão. VIDE: ●Absque labore gravi non possunt magna parari. ●Otia qui sequitur, veniet huic semper egestas. ●Sine labore non erit panis in ore.
1234. Otiosis locus hic non est; discede, morator. [Inscrição na parede de uma taberna / Dengg 19] Aqui não é lugar para desocupados; cai fora, estorvo!
Foi de grande ajuda.
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