domingo, 1 de maio de 2011

ISTO NÃO É ARTE - 12b

Antes de ler este artigo, convém consultar:


http://profciriosimon.blogspot.com/2010/10/isto-nao-e-arte-01.html



IDADE não é ARTE.



A idade de um trabalho não garante a sua constituição como uma obra de arte, por mais antigo ou recente que seja. Um vinho não é bom porque é velho. Uma safra recente pode ser excelente e a passagem do tempo pode lhe subtrair qualidades que o “terroir” ou a uva lhe conferiram. O contrário também pode acontecer e que a idade venha eliminar aspectos negativos e aversivos de sua juventude, deixando e ressaltando suas qualidades positivas e agradáveis .



Fig 01 - Brian ROGERS – Memória Seletiva – NYT 11.01.2011




A antiguidade de uma obra de arte pode significar também a busca de privilégios nas filas dos idosos no banco do mercado de arte. Enquanto isto o recente, o que esta na moda tinindo de novo e a excitação momentânea do inédito, corre o risco do embuste, do marketing sem conteúdo e da obsolescência no dia seguinte.


Distingue-se OBRA de e de TRABALHO no presente texto. Aceita-se OBRA como aquela que permanece e não é devorada pelo seu uso. Enquanto TRABALHO e o que feito é pela mão humana, tendo apenas por horizonte o seu uso num tempo e num lugar, que sofre a obsolescência e desaparece.




Fig 02 - Vaso do Polvo (c.1500 a.C.) cerâmica - 28 cm - Museu de Heráclion, Creta - encontrado em Palicastro, a leste de Creta.



Isto não significa que toda peça feita para uma determinada função siga o caminho dos demais trabalhos. Como o Vaso do Polvo (fig.02), possui grande probabilidade que tenha tinha tido uma função específica, Mas o seu criador foi tão feliz, conseguiu incorporar tanta vida que, no momento em que este vaso perdeu a sua função não deixou de transportar, para gerações seguintes, toda a vida, a sensibilidade e a felicidade do momento de sua criação. Estas gerações seguintes o preservaram. O museu, que o possui no seu acervo, hoje se orgulha de toda a sua idade como testemunho antiquíssimo da sensibilidade da humanidade da sua terra, gente e tempo.



Uma obra de arte, quanto mais ela é usada, mais vista e sentida, por sucessivas gerações, tanto mais valores agrega a si mesma. Ela possui a competência de agregar os valores de sua origem transportá-los através dos sucessivos séculos, dos quais colhe o carinho e valores, para revelar no presente a sua origem e sua viagem através do tempo . Assim a sua antiguidade e o seu uso podem favorecê-la. Evidente que uma obra de arte do nosso tempo pode se revestir desta mesma competência de carregar, no seu mínimo de sua forma, os valores do seu tempo de criação e ser apta para transportar, para o futuro, aqueles com os quais ainda se encontrará pelo seu caminho. Assim uma obra de arte é sempre uma “metáfora” no sentido de constituir-se em algo que atravessa o tempo em todas as direções


Fig 03 - PICTOGRAMA dos ABORÍGENES AUSTRALIANOS – Estilo Raio X-


Paul S. C. TAÇON – descobriu 3.000 pictogramas na Austrália, em 2010, com idades que recuam até 15.000 anos




Uma obra de arte autêntica suporta a passagem do tempo, pois fez o seu teste ao peregrinar através de sucessivas gerações carregando-se de sua aprovação e de seus valores. De outra parte ela não concorre e nem tira o lugar e a atenção de obras coerentes do tempo atual, ao contrário, ela valoriza, complementa e interage com as suas companheiras de viagem através do tempo. Um Museu do Louvre não é só a Mona Lisa. O conjunto de todas as obras anteriores posteriores a esta obra de Da Vinci, ali acolhidas e mostradas, lucram e ao mesmo tempo rendem homenagem umas às outras. O seu conjunto glorifica a civilização que conseguiu o feito de reuni-las, preservá-las, num continuum de séculos como testemunhos da sensibilidade humana. Quanto mais idade, mais notável é este feito. As autênticas obras de arte, tanto antigas como as contemporâneas, captam a sabedoria, o prazer da vida em seu pleno fluxo de sua criação e trânsito pelos séculos. Criaram um corpo físico que suporta este teste do presente, do passado e , como obras de arte, são competentes para travessias seguras de lugares e de tempos sem sobressaltos e, no mínimo de sua forma, carregando o máximo para o futuro.





Fig 04 - FLORALIS GENÉRICA -2002 -Eduardo CATALANO Buenos Aires



Muito antes de a criatura humana criar e dominar o código escrito, a obra de arte já era competente para carregar, no mínimo de sua forma, o arcaico das mais remotas eras e continuar a ser testemunho dos saberes e do fluxo da vida humana. Na medida em que estas obras tiverem êxito em transformar o saber que captaram no seu tempo de criação e o conseguem remeter, no tempo e no espaço, para todas as civilizações, sendo incorporadas ao patrimônio universal. Patrimônio no qual todos se reconhecem e se orgulham desta obra como o melhor que a humanidade conseguiu produzir. Obra que desafia as gerações futuras a também atingirem o melhor e o mais coerente em seu próprio tempo. Sai ganhando a geração que produziu a obra de arte como todas as demais cujos valores se agregam em todas as gerações seguintes.


Fig 05 - VENUS de LAUSSEL



A obra de arte autêntica e coerente realiza a façanha de transcender o ruído, a cacofonia e a entropia do tempo de sua criação. Tornam-se testemunhos plenos do melhor do que a humanidade é capaz ao modelo do que fizerem todos os grandes artistas das civilizações, grandes ou pequenas.


A este acervo de obras realizadas pelo puro prazer e sensibilidade estética é muito restrito. Uma grande parte das obras de arte, que migraram para o museu, arquivo o coleção, migrou de um determinado uso. Assim 77% do patrimônio artístico da humanidade carrega alguma vinculação com o sagrado na sua origem. Herbert Read (1893-1968) descreve este processo. Para ela uma machadinha levou séculos para juntar a função e a forma. Numa determinada época e local ela atingiu este perfeita coerência entre a sua função a sua forma. No concorrência com outras ferramentas a sua função foi superada e ela a perdeu. A sua forma tomou o caminho do museu.




Fig 06 - ABU GHRAIB – Fernando BOTERO (1932) diante da sua obra em 2010




Se de um lado se solicita esta sensibilidade aristas atual, contudo a obra de arte não é um simples registro e documentação do ruído, da cacofonia e da entropia do seu tempo. Para tal existem outros meios do que a obra de arte. O artista não é um simples sismógrafo do seu tempo e lugar. Ele passaria à heteronomia e não teria condições e nem autonomia para carimbar um pouco de matéria sensível aos sentidos humanos e transformar, esta matéria, em algo com vida própria e fora e muito longe do seu autor.



Fig 07 - Johannes MOREELSE (1602-1634) Heráclito c. 1630




Esta vida própria, fora e muito longe do seu autor, torna-se impossível se a mensagem é 100% original. Um obra desta natureza corre o risco neste extremo de novidade não constituir o seu observador. A obra vinda de um passado e de um lugar absolutamente distinto corre o mesmo risco de incompreensão e não gerar um observador competente de abrir o mínimo da forma para o seu máximo de conteúdo.



Fig 08 - ARTE SUMÉRIA –Mosaico tampa de Harpa – Detalhe da Paz




Para garantir o fluxo do máximo de conteúdo de uma obra de arte, entre quem a cria e quem a recebe, firma-se a força e a responsabilidade a mediação. O profissional da mediação, como o próprio artista, necessita tornar-se competente e merecer a confiança do observador da obra que é aparentemente hermética. Contudo este observador possui pleno direito de exercer a o seu hábito de integridade intelectual. A mediação, sem esta integridade, corre o risco de deslizar, intencionalmente ou por ignorância para o marketing e a propaganda que nada mais realiza do que impingir o próprio repertório do mediador, e não da obra de arte. Corrompe assim tanto o passado como o futuro gerando uma armadilha para a vida própria da obra de arte e uma barreira no seu caminho fora e muito longe do seu autor. O mediador não é um artista frustrado e nem é autor de “pegadinhas” intelectuais ou misteriosinhos mais metafisicas fastadas do papel sensorial de toda obra de arte.


A instituição escolar ensina aos museus de arte, ao mediador e ao observador a ler e a escrever. Contudo se desleixa na preparação dos seus estudantes, dos professores e das próprias instituições de arte a serem competentes e atenciosos no ver, no apurar a acuidade auditiva, no adequado degustar dos alimentos




Fig 09 - Frans Xaver MESSERSCHMITT (1736-1783) Mau Humor




Não importa pois a idade de uma obra de arte. Ela será uma obra de arte ou apenas, e tão somente, um trabalho a mais da humanidade e condenada a sumir no tempo e no espaço no caminho natural da entropia universal. Para as obras de arte não serem confundidas com trabalho e serem condenadas a seguirem o caminho da entropia e da obsolescência, elas necessitam de instituições, de técnicas e de mediadores qualificados e capacitados para mediar entre quem a produz e quem a recebe. Todas as grandes civilizações receberam este nome na medida que eram competentes para prolongar e atualizar o conteúdo das obras de arte do seu passado, do seu presente e manter-se vivas e atuantes num futuro incerto. As obras de arte constituem e garantem este seu futuro civilizado.


Um trabalho humano, como um vinho, por mais recente ou mais antigo que seja a sua idade, não os garantem como obras de arte.




FONTES das IMAGENS




Fig 01 - Brian ROGERS – Memória Seletiva – NYT 11.01.2011


http://www.nytimes.com/2011/01/09/arts/09weekaheadweb.html


Fig 02 - Vaso do Polvo (c.1500 a.C.)


http://historia-da-ceramica.blogspot.com/2009_11_01_archive.html




Fig 03 - PATEL Samir S The Rock Art of Djulirri Arnhem Land – Australia, December 14, 2010 http://www.archaeology.org/1101/web/aus_video.html


In a remote corner of Arnhem Land in central northern Australia, the Aborigines left paintings chronicling 15,000 years of their history.




.Fig 04 - FLORALIS GENÉRICA -2002 -Eduardo CATALANO Buenos Aires


http://www.flickr.com/photos/30957604@N06/sets/72157622309396268/detail/




Fig 05 - VENUS de LAUSSEL


http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%AAnus_de_Laussel




Fig 06 ABU GHRAIB por FERNANDO BOTERO em


http://www.slate.com/id/2153674/slideshow/2153797/




Fig 07 - Johannes MOREELSE (1602-1634) Heráclito c. 1630


http://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%A1clito_de_%C3%89feso




Fig 08 - ARTE SUMÈRIA – Detalhe do mosaico Paz Veja o reverso o mosaico da Guerra em


http://pt.wikibooks.org/wiki/Civiliza%C3%A7%C3%B5es_da_Antiguidade/Civiliza%C3%A7%C3%A3o_Sum%C3%A9ria




Fig 09 - Frans Xaver MESSERSCHMITT (1736-1783) Mau Humor


http://fr.wikipedia.org/wiki/Franz_Xaver_Messerschmidt

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