PEDRO WEINGÄRTNER na PASSAGEM do REGIME IMPERIAL para o REPUBLICANO e as RELAÇÔES do ARTISTA com a ESCOLA de ARTES do INSTITUTO LIVRE de BELAS ARTES do RIO GRANDE do SUL
Fig. 01 – Pedro Weingärtner
Bico-de-pena- Acervo Alto da Bronze - imagem www.margs.rs.gov.br/
No artigo anterior afirma-se que não existe nada mais atual do que a discussão do que significa a formação de um artista que pretenda agir, na autonomia, no espaço de uma civilização como a nossa. O artista autônomo é um político na sua essência, mesmo que não tome partido além de sua arte. O poder do artista deriva de sua autonomia agindo sobre o Outro, numa ação pela qual atinge, com a sua obra, os sentidos e os sentimentos mais profundos desse Outro.
O estudo da obra e da pessoa do pintor Pedro Weingärtner (1853-1929) constitui uma amostra acabada do contraste entre a política cultural-artística imperial, em oposição daquela da 1ª Republica Brasileira no Rio Grande do Sul.
É necessário afirmar que Weingärtner jamais pendeu para um ou outro lado ou exaltou, na sua arte, um ou outro regime, um ideologia ou um credo. A sua política era a arte[1]. Contudo, na representação do imaginário republicano, Weingärtner pagou, pessoalmente, o preço de ser associado ao antigo regime como uma peça integrada à corte imperial. A recepção de sua arte fornece uma amostra desta representação, avessa ao antigo regime e proveniente do imaginário republicano distorcido.
Se é verdade que, no regime imperial, foi amigo pessoal e bolsistade D. Pedro II, no entretanto, no primeiro regime republicano, foi professor de Desenho Figurado na Escola Nacional de Belas Artes[2], ao longo de dois anos (1891/ 2), conforme Guido (1956: 53/5). No Rio Grande do Sul, o seu antigo vínculo imperial tornou-se problemático quanto à recepção de sua obra. Os homens, que integram o governo republicano sul-rio-grandense, o respeitavam, mas não o estimulavam e o perseguiam quando o governo republicano encomendava-lhe oficialmente uma pintura. Assim aconteceu quando o presidente do Estado, Carlos Barbosa, encomendou-lhe, em setembro 1908, uma obra pública para a sala de visitas de um vaso de guerra brasileiro com o nome de Rio Grande do Sul[3]. Diante desta encomenda houve um tremendo alarido, na imprensa, contra o pintor, segundo Guido, (1956: 112/ 5)[4].
[1] - Certamente Pedro Weingärtner não aprovaria o presente texto e a sua conotação política. O a autor do presente artigo até agora não encontrou algum texto no qual externa as suas tendências políticas. Há necessidade de prosseguir pela sua obra pictórica.
[2] - A antiga Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) havia sido severamente depurada de todos com vínculo político com a monarquia e os novos docentes republicanos trocaram o seu nome para Escola Nacional de Belas Artes (ENBA)
[3] Veja a história do cruzador Rio Grande do Sul em http://www.naval.com.br/ngb/R/R039/R039.htm
[4] - Correio do Povo, 12.06.1909. (apud Guido, 1956: 114).
Fig. 02 – Pedro Weingärtner - Júlio da Castilhos - 1905 – óleo sobre tela 240 X 140 cm
TARASANTCHI, Ruth Sprung Minha descoberta de Pedro Weingärtner, in Pedro Weingärtner 1853-1929 : um artista entre o Velho e o Novo Mundo. - São Paulo : Pinacoteca do Estado de São Paulo, , 2009, p.160.
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Não admira, pois, que em momento algum haja registro de cogitação do seu nome como membro oficial da Comissão Central do Instituto Livre de Belas Artes do Rio Grande do Sul (CC-ILBA-RS), apesar de satisfazer o requisito de residir em Porto Alegre, a partir de 1920 até a sua morte em 1929, como exigia o estatuto da CC-ILBA-RS. Mesmo antes, as suas ausências de Porto Alegre, não eram tão longas[1], onde trabalhava e expunha assiduamente. Mas coube-lhe, quando muito, ser convidado discretamente por Libindo Ferrás para fazer banca[2] nos exames finais da Escola de Artes do ILBA-RS.
Pode parecer que nesta instituição republicana a sua arte e fama de pintor foram usadas para legitimar através do convite de um agente isolado e encabulado[3]. Na prática, essa instituição abstinha-se de qualquer outro vínculo comprometedor com o artista. A garantia da atividade de pintor era a clientela formada pela nova burguesia emergente que comprava a obra de Weingärtner. O estudo mais acurado da sua clientela nos forneceria uma tênue amostra pontual do rarefeito sistema de artes sulino da época Mas isso necssita ainda muito mais documentação e estudo.
Pedro Weingärtner não teve, nem escola nem discípulos que
reivindicassem, no plano da reprodução da vida artística, a continuidade de sua obra. Ângelo Guido registra (1956: 105): “nunca lá (atelier de Weingärtner) encontrava alunos e discípulos, que não os teve o pintor”. Essa reprodução deveria ser fruto de uma instituiçãoEsta autonomia pessoal de Pedro Weingärtner corresponde ao cerne do sentido do cidadão republicano.
Weingärtner havia vivido os ares republicanos na Europa e disseminados pelos líderes italianos e franceses. No Brasil aqueles que
proclamaram a República pelo Decreto nº 1 da República de 15.11.1889
escreveram:“ Art. 2.o As provincias do Brazil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados-Unidos do Brazil.
Art 3.o Cada um desses estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará opportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos delibrantes e os seus governos locaes.” [4].
Júlio de Castilhos tomou ao pé da letra este soberania do Rio Grande do Sul e Weingärtner criou (1905) uma imagem exemplar deste líder.
[1] - A presença e os contatos de Pedro Weingärtner com Porto Alegre, são mais assíduos do que normalmente se divulga. Para acompanhar a presença de Weingärtner em Porto Alegre, basta consultar Guido, 1956 ou os registros dos jornais da época.
[3] - Evidente que esse constrangimento, diante Weingärtner, não só era político, mas também econômico, devido a pouca retribuição que a instituição republicana podia oferecer pelo seu trabalho qualificado do mestre. Relatório de Libindo Ferrás de 1920
[4] - Os triunfantes republicanos escrevam, na sua pressa revolucionária, que os Estado Regionais seriam”SOBERANOS”. Hoje admite-se, juridicamente, que o Brasil é “SOBERANO” e os seus Estados Regionais são “AUTÔNOMOS”. Mas, neste meio tempo, a busca do federalismo foi pago com muito sangue das degolas e de prejuízos de toda ordem que se espalharam pelo Brasil. Pode-se sustentar que Antônio Conselheiro, o Padre Cícero Ramão e Lampião arrastaram este equívoco, inicial, sobre toda a 1ª Republica e somente a degola de Lampião e de Maria Bonita deram, em 1938, um ponto final e trágico, neste equívoco dos apressados revolucionários, que não derramaram o sangue no dia da derrubada da monarquia, mas este sangue foi derramado por gerações de brasileiros.
Fig. 03 – Pedro Weingärtner - Revolucionários – 1893- óleo sobre tela 48,5 X 74 cm
TARASANTCHI, Ruth Sprung Minha descoberta de Pedro Weingärtner, in Pedro Weingärtner 1853-1929 : um artista entre o Velho e o Novo Mundo. - São Paulo : Pinacoteca do Estado de São Paulo, , 2009, p.122
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Não é possível deixar de pensar e admitir que o regime republicano, permaneceu restrito apenas em uma nova mentalidade. Ao contrário, as práticas da sociedade e da vida individual foram afetadas. A arte percebeu uma oportunidade de repensar no que a vida do cidadão republicano se diferenciava da vida privada do súdito imperial.
Sem preconceitos Weingärtner retrata (1893) um piquete revolucionário popular no interior de Santa Catarina e depois pinta o retrato de um dos grandes líderes republicanos, em tempo em que já era um mito a ser cultivado.A obra de Pedro Weingärtner nos transmite, com um vigor único, esta nova vida e as práticas republicanas. Primordialmente pela sua sólida formação como pintor, pois sabe o que se faz com tinta, pincel e uma superfície. Em segundo pela escolha da temática coerente com o novo poder originário[1], sem demonstrar onipotência, onisciência e sentimentos de eternidade, pois sabia-se situado no seu tempo e lugar. Em terceiro pela formação dos seus interlocutores que vãos das modestas e anônimas figuras e modelos dos seus quadros, passa pelo estudantes de arte e chega até as figuras que ocupam os cargos mais altos da nação.
Para a formação do público da obra de Pedro Weingärtner, o crítico e cronista de artes Dr. Olinto de Oliveira - como sob o pseudônimo Maurício BOEHM[2] - publicou no Correio de Povo, no dia 13 de fevereiro de 1897, “BELLAS ARTES: Dois artistas sul-rio-grandenses: Araújo Vianna e Libindo Ferrás” . Na edição de 03 de julho de 1898 reuniu Carlos Torelly, Libindo Ferrás e Pedro Weingärtner com o título “Bellas Artes- Pintura”. Em 11 de dezembro de 1898 ele consagra o título e o artigo inteiramente a “Pedro Weingärtner”
O século XXI, que se julga acima do raio e do trovão. certamente pode ignorar a obra de Pedro Weingärtner ou, no máximo, espetar-lhe, nas costa, um alfinete e incluí-lo na coleção dos “pequeno mestre”. Contudo isto não impede de ouvir quem lidou a História até o último minuto sua própria existência:
“É tal a força da solidariedade das épocas que os laços da inteligibilidade entre elas se tecem verdadeiramente nos dois sentidos. A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçar-nos por compreender o passado se nada sabemos do presente” . Marc Bloch 1976, p.42.[3].
Certamente que toda comparação é odiosa. Contudo é, mais odiosa ainda, a tarefa de fincar um alfinete nas costas do inseto raro para matá-lo, classificá-lo e prender, os restos mortais do infeliz inseto, definitivamente no interior de uma coleção particular ou de um museu público[4].
[1] Ver o que o autor, do presente artigo, entende por PODER ORIGINÁRIO em http://www.ciriosimon.pro.br/pol/pol.html
[2] - Olinto de Oliveira como crítico de música e de artes visuais foi recuperado pela pesquisa de Cláudia Rodrigues do Pós Graduação em Música do IA-UFRGS, sob a Orientação da Dra Elizabete Schwartz, que localizou, textos desse crítico, no Correio do Povo em micro-filmes do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa - Porto Alegre Rio Grande do Sul.
[3] BLOCH, Marc (1886-1944) . Introdução à História.[3ª ed] Conclusão de Lucian FEBVRE - .Lisboa :Europa- América 1976 179 p.
[4] - Não se conhece o motivo da escolha do tema das “Borboletas”. Contudo não é possível afastar a repulsa de Weingärtner ao movimento positivista de criar da Arte uma Ciência. E nesta Ciência enquadrar todas as obras, os artistas e os movimentos numa genealogia classificatória, a exemplo da tentativa frustrada de Hoppolyte Taine (1828-1893). Ele mesmo certamente nunca buscou estas referências classificatórias de sua obra e da sua estética. ´É necessário concordar com Heidegger “o ente no ser”.
Fig. 04 – Pedro Weingärtner - As Borboletas – 1910 – Óleo sobre Tela 47 X 69 cm
TARASANTCHI, Ruth Sprung Minha descoberta de Pedro Weingärtner, in Pedro Weingärtner 1853-1929 : um artista entre o Velho e o Novo Mundo. - São Paulo : Pinacoteca do Estado de São Paulo, , 2009, p.61
Para concluir, resta reforçar o convite, ao estilo de Diderot[1], para que o publico tenha oportunidade de chegar até a beira do abismo da obra de Weingärtner, exposta ao longo dos meses de abril e maio até 13 de junho de 2010, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) – Ado Malagoli. Diante desta obra este público tenha as melhores condições possíveis para apreciar, por si mesmo, as obras e as circunstâncias históricas na quais Pedro Weingärtner construiu e viveu a sua obra.
VEJA COMENTÁRIOS da OBRA de PEDRO WEINGÄRTNER EXPOSTA no MARGS:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Weing%C3%A4rtner
http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=115&Numero=194&Caderno=5&Noticia=124439
[1] - Denis DIDEROT - Salão de 1765 - referência em http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/48961525.html.
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